segunda-feira, 16 de maio de 2011

NOS TEMPOS DE TAYLOR NOS DIAS ATUAIS – Parte II

(Continuação)

O calor era infernal. Um cheiro acre exalava no ambiente. Parece que um idiota não agüentou segurar e soltou um “míssil” de curto alcance dentro daquele ambiente.

-          Tu engoliu urubu – exclamou um anônimo. A risada foi geral.
-          Que falta de educação! – falou uma velhinha.
-          Ô galera, abram os vidros! – gritou outro.

Após uns quarenta minutos de viagem, lá na frente, começou uma discussão. Parece que um sabichão encostou-se ao traseiro de uma morena – foi o suficiente para que o caldo fervesse.

-          Seu safado. Vai burilar aquela que te fez nascer!
-          Que é isto moça! Tá me confundindo! Tô quieto aqui e você vem me acusar.

Severino, espremido que nem laranja de bar, não ousava desviar o olhar para o casal. Puxou a corda da campainha e foi se deslocando dentro daquela lata de sardinhas. Após cheirar várias axilas e pisar em três pés, conseguiu chegar à porta de saída. Ao descer sua cabeça girava e ainda tinha mais duas conduções para chegar em casa.
Enfim, lá pelas nove horas da noite, Severino estava no botequim, próximo do seu barraco. Dirigiu-se ao balcão e o Zé da Barraca já foi abrindo uma cerveja bem gelada.

-          Severo, vai um torresminho?
-          Claro!

Um Severino taciturno saboreou a cerveja e o aperitivo com o tira-gosto.

-          Ô Zé, põe na conta do mês. Boa noite a todos.

Severino saiu caminhando, lentamente, pela rua sem calçamento. A capanga debaixo do braço parecia uma arma pronta para ser sacada, ao menor sinal de perigo. Na sua casa, deparou com a esposa sentada na surrada poltrona e olhos grudados na novela. Foi até ela, deu-lhe um beijo na face.

-          Tudo bem?
-          Tudo. Respondeu ela.

Recostou-se no sofá ao lado de dona Zelinda e ficou descansando daquela odisséia rodoviária. No primeiro intervalo comercial, a esposa puxou uma conversa.

-          Amor! Chegou uma carta de cobrança da loja de móveis. O seu nome vai para o SPC, se não pagar as prestações em atraso.
-          O que mais?
-          O Português veio cobrar o aluguel. Ele estava uma fera e disse que vai nos despejar.
-          Deixa o portuga para lá. E os meninos?
-          Foram para a escola. Pelo menos eles serão a nossa salvação. Se conseguirem formar neste curso técnico, poderão conseguir um bom emprego e, assim, ajudar na manutenção da casa. Depois, eles têm que se virar porque nós não agüentamos pagar mais estudos para eles.
-          O meu coração dói de tristeza, só de saber que os meninos sonham em fazer uma faculdade – complementou dona Zelinda.
-          Que o Padinho Ciço e o Senhor do Bonfim nos ilumine, mulher. A coisa está feia. Não sei como vou fazer para pagar estas contas. O meu salário mínimo e os cinqüenta que você consegue como diarista, não dá para sobreviver.
-          Você tem razão. A conta de luz deste mês foi um absurdo. Só o aluguel e a comida consomem o seu salário.
-          Tive pensando. Vou mandar fazer um “gato” na luz. Dizem que tem um sujeito lá no morro que sabe fazer o negócio.

Severino levantou-se e foi tomar um banho. Debaixo da água, ele sonhava com uma casa maior. O barraco era de alvenaria bruta, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, espremidos em trinta metros quadrados. Sua família merecia algo melhor.

Bateu uma vontade de chorar. As lágrimas teimavam em não sair. Eram lágrimas contidas das dores da vida dura, de um nordestino que lutara contra a seca e a carestia. Tinha vindo para o Rio de Janeiro à busca do tão decantado eldorado, que todo mundo falava lá no norte. Mal sabia ler e escrever. Como sonhar com dias melhores?

Severino foi dormir e em minutos estava roncando. Naquela noite ele teve um sonho. Sonhou que a seca nordestina tinha desaparecido para sempre. O governo brasileiro havia investido na tal da tecnologia e resolveu o problema que atormentava o sertanejo. Sonhou que estava voltando para a terra natal junto com a esposa. No ônibus, era uma alegria infindável. Até um cantor de improviso, cantarolava uns versos sobre a volta da água e da chuva no nordeste.

Na primeira parada do ônibus, Severino foi perguntar ao motorista quanto tempo faltava para chegar ao Ceará. Qual foi a surpresa? O motorista era o agiota da porta da fábrica, e tinha um olhar nervoso, que mais parecia duas balas de trinta e oito e estavam prestes a saltar em direção ao coração do nordestino.

-          Acorda homem! – sua mulher sacode-o ao perceber sua agitação na cama.
-          Tenho que pagar aquele cabra – exclamou ele.
-          Homem de Deus, pagar quem?
-          O agiota da porta da fábrica.
-          Que pagar nada! Aumenta a dívida e diz para ele que eu estou adoentada.

Ele esfregou os olhos e abraçou-a.

-          Êta mulher arretada! Eu te amo, bichinha.

O amor é a fonte que alimenta e sustenta as privações e provações. Só a fé e o amor para transbordar os rios da vida e salpicar de gotas serenas as terras áridas do país. Severino encontrou forças para encarar um novo dia.




Prof. Jaci Alvarenga


Nota: Extraído do livro de Banco de Rodoviária - Contos e Causos, 2001 do autor (não publicado)

 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário